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As crônicas do dilacerado e do fragmentado



No sentido mais próximo às palavras, encontramos discrepâncias óbvias. Embora o som fonético das palavras se assemelhe, o sentido de cada uma, porém, difere. No tema de hoje, veremos a dinâmica acertada das crônicas de um coração que é introduzido no movimento do amor sob a assertividade no caminho das diferenças.


Dilacerado e fragmentado são dois personagens que traduzem o real para nós. Descortinam a vida que existe em nossos corações de modo mais análogo, e nos fazem contemplar como as diferenças abrem espaço para uma sintonia paradoxal. O encontro do coração do homem e do coração de Deus desembocam numa harmonia sinteticamente nova, e diariamente eterna.


Outro dia, fazendo a experiência de lançar pingos de água em minha mão, observei um fato interessante. À medida que os colocava nas extremidades da mão, via que eles escorriam para o centro dela. Assim acontece todas as vezes que o fazemos com fluidos. Com álcool em gel, por exemplo, acontece o mesmo. Deixar que a mínima quantidade pingue nas extremidades da mão fará com que, ao fim, toda a quantidade desemboque ao centro dela.


Foi observando o movimento da água que me dei conta de alguns passos do caminho. Nós vivemos descontentes com tantas situações e realidades à nossa volta, que quase nunca nos sobra tempo para estarmos completamente satisfeitos com algo. Insatisfeitos com o nosso bem-estar, com nosso salário, com nossa falta de tempo, com a desorganização da casa, com a necessidade de ir ao supermercado, com a obrigação de... enfim. Vivemos descontentes quase que diariamente e não nos sobra tempo para olharmos o próprio tempo à nossa volta com atenção.


Nos damos conta de que vivemos fragmentados em inúmeros aspectos, e naturalmente pelas condições de fragilidades humanas. Mas, a diferença está aqui. O caminho torna-se outro, totalmente diferente, quando a alma humana se reconhece fragmentada. Reconhecer-se diz respeito a encontrar uma identidade, e assim, compreender as raízes da existência. Se olhamos para um espelho e encontramos um fragmento dele que se partiu, sabemos, obviamente, que somente um outro pedaço de espelho poderá suprir aquela falta, não? Assim também acontece com o coração humano.


Na crônica do fragmentado, ele contempla suas raízes quebradas, que só encontram sintonia e encaixe perfeito quando se percebe próxima ao que o completa. Neste caso, ao dilacerado.

Reconhecendo-nos como fragmentados, nos recordamos de que algo precisa nos completar. Não um complemento qualquer, mas um complemento que abre espaço para o sentido da vida, descortinando a beleza do viver e a alegria de ter sido salvo, de ser chamado um filho.


Aliás, a beleza de ser chamado de filho. O fragmentado coração do filho, tantas vezes cansado de tentar encontrar em subterfúgios o que somente o coração de Deus proporciona, encontra-se com o coração do Pai. Num encontro de divergências, aí é que descobrem o caminho acertado: duas almas nunca esperaram tanto para se encontrar.


O dilacerado, que sob o alto da Cruz, entregou-se. Para nós, o Crucificado. Um caminho de vida e um olhar de integridade. Nós, que tantas vezes procuramos o que nos resta no mundo, ao olharmos para o Eterno, nos deparamos com Aquele que dá-se por completo, em todo o tempo. Aí, então, mergulhamos na dinâmica do Amor.


Voltamos ao exemplo dos pingos de fluido na palma da mão. Se juntarmos todas as vezes que decidimos olhar com uma perspectiva de eternidade para a dimensão da nossa vida, veremos que as extremidades do nosso corpo apontam para a centralidade dele, o nosso coração. Ou seja, tudo em nós apontará para o tesouro escondido. Afinal, “onde está o teu tesouro, ali está o teu coração”.


Aqui está um passo importante. Quando nós decidimos olhar para a perspectiva de eternidade, nossa mentalidade muda. Passamos a enxergar o olhar e o coração de Alguém que dilacerou-se por amor, e amando-nos, nos inseriu em seu caminho de amor. A nós, ainda que fragmentados, cabe olharmos com atenção para o que está ao nosso redor. O que nos chama mais atenção? O que nos rouba tanto tempo? O que nos faz preferir olhar para a perspectiva das coisas que passam com tanto mais vigor do que para a perspectiva das que permanecem? Onde estamos encontrando o tesouro?


Ou a vida é compreendida com um olhar de eternidade, ou continuará sendo um amontoado de dias que se passam sem a menor chave de sentido. Ainda que tenha, os sentidos são alheios e não complementam o fragmento que existe em nós. Admitamos que necessitamos viver de misericórdia!


Se dizemos desejar olhar com a perspectiva de vida eterna, devemos pensar, também, qual a intensidade do nosso desejo. O quanto a nossa vida aponta para o que há de desejo no nosso coração? O que temos feito para voltar toda a nossa história, o nosso olhar e o nosso coração ao centro de tudo?


Para onde correm as águas do rio da nossa vida? Prestemos atenção onde ele desemboca. Talvez, a nascente do sol deseje florescer um novo horizonte para a terra dos nossos corações.


O Senhor se alegra tremendamente ao ver o coração do homem arrependido. Foi o que vimos na liturgia deste último domingo, também. É o filho que se reconhece pecador e fragmentado, mas que não se vitimiza e nem se esconde atrás desta condição. Ou ele assume a posição de um convidado à ressurreição, ou ele vive escondido atrás de suas próprias misérias, incapaz de apresentar ao coração dilacerado as suas próprias verdades, a fim de ser, também ele, dilacerado de e por amor.


Quando aprendemos a deixar que as águas do nosso coração transpareçam a verdade que nele existe, vivemos uma vida sutilmente leve. Livres das amarras que nos aprisionavam, somos capazes de gritar que somos pecadores, sim, mas não pecadores que se conformam à condição de pecado. Antes, gritam a si mesmos, admitindo que a fragilidade do coração fragmentado não impossibilita que ele seja salvo. Pelo contrário, impulsiona-o para o caminho de Salvação e o caminho de encontro com Ele.


Tanto mais importa olharmos para a ternura do coração de Deus, que só sabe nos amar, e nos identificarmos com tamanha fonte de amor, da qual emanam, todos os dias, um novo olhar de esperança e de eternidade aos nossos corações.


“Vaidade das vaidades, tudo é vaidade”, conclui o trecho de Eclesiastes. O autor nos faz lembrar da vaidade como caminho de superficialidade, de sopro, vento, do que passa. Abandonando as ganâncias e luxos, admitimos ser fragmentados, e por isso, esforçamo-nos por encontrar o que nos falta. Bendito o coração do homem que descobre onde achá-lo. Afinal de contas, esse encontro é uma urgência ao coração do homem. Encontrar Deus e torná-lo a referência do nosso coração é uma urgência! A terra do coração há de florescer, então. E que existência feliz será essa!


Por Tatiane Medeiros

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